domingo, 21 de fevereiro de 2021

PELA DEMOLIÇÃO DA IDEIA MANICOMIAL

 



Em Teresina, segundo dados da FMS, no ano de 2017 foram realizados 50.112 atendimentos individuais nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O CAPS é “um serviço substitutivo ao modelo asilar, de assistência extra-hospitalar que diminui e procura evitar reinternações psiquiátricas, buscando a ressocialização do indivíduo. Seu objetivo é oferecer atendimento à população realizando o acompanhamento clínico e reinserção social dos usuários, contribuindo para o resgate da cidadania em função da discriminação por ser acometido de sofrimento psíquico.” (FMS).

Os CAPS proporcionam à sua clientela um atendimento composto de uma série de atividades terapêuticas diversificadas e o acolhimento por uma equipe interdisciplinar diariamente, caso necessite. Muito diferente do que se fazia nos manicômios antes da reforma psiquiátrica no Brasil antes da Reforma Psiquiátrica ser implantada no Brasil. Diferente dos CAPS, os antigos manicômios tinham como função tirar do convívio social os doentes mentais ou qualquer pessoa considerada inconveniente. Assim todas as pessoas que de uma forma ou de outra tinham comportamentos inadequados para a moral vigente eram confinados nesses locais e submetidos a “tratamentos” medievais. “Loucos”, usuários de drogas, criminosos, mulheres cujo comportamento não era aceito pela sociedade e até dissidentes políticos do regime do momento. Lá os mais exaltados eram isolados em quartos escuros, submetidos a banhos frios, eletrochoques e, em casos extremos, à lobotomia.

Na cidade Teresina, existe um dos manicômios mais antigos do Brasil, o Hospital Areolino de Abreu, fundado em 1907 pelas Irmãs de Caridade. O HAA funcionou até bem pouco tempo dentro dos moldes dos tradicionais manicômios. O Sanatório Meduna, outro hospital psiquiátrico da capital piauiense, só foi fundado no ano de 1957 pelo médico psiquiatra Clidenor de Freitas. O Meduna surgiu com a proposta de tornar mais humanizado o tratamento de pessoas problemas psicossociais, adequando à nova concepção pós Reforma Psiquiátrica. Mesmo assim ainda se utilizava o tratamento através de eletroconvulsão, por se considerar menos doloroso.

Da história do Sanatório Meduna e do Hospital Areolino de Abreu não podemos esquecer os sombrios anos de chumbo da ditadura militar. Nos dois hospitais psiquiátricos eram internados como “loucos” dissidentes e opositores do regime, além de jovens “subversivos” envolvidos com a contracultura tirando-os convívio da sociedade e desacreditando-os. O poeta Torquato Neto foi uma das personalidades que por lá estiveram.

O Sanatório Meduna foi desativado em 2010. No ano seguinte, o terreno foi vendido para construção de um shopping center. Assim, o prédio abandonado do hospital psiquiátrico foi sendo sufocado pelas construções modernas do novo centro de negócios e aos poucos foi se deteriorando. Mais recentemente, coletivos artísticos de Teresina resolveram ocupar o espaço para executar atividades culturais e performances artísticas. No ano de 2020, a empresa proprietária do shopping decidiu demolir o prédio sede do Sanatório Meduna, que chegou a funcionar com 120 leitos. No entanto, uma movimentação do Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo, que acionou o MPE, conseguiu impedir a demolição. Parte da comunidade artística, intelectuais e políticos da cidade de Teresina se aliaram ao movimento contra a demolição. O grupo que se autodenominou “Loucos Pelo Meduna” passou a fazer campanhas em redes sociais e a promover protestos no local.

Há diversos projetos idealizados de reutilização dos locais que vão de um Centro Tecnológico ligado à UPFI a uma extensão da APL. Pessoas ligadas à área da cultura defendem a criação de um centro cultural para promoção de cursos e atividades artístico-culturais. No entanto, ao que parece, nenhuma destas iniciativas demonstraram interesses em dialogar com ex-pacientes e seus familiares. Muitas destas pessoas, que tem terríveis lembranças defendem a demolição das instalações em que funcionava o Sanatório Meduna. Para elas, seria um passar a limpo na história de horror do antigo hospital psiquiátrico. Já os grupos contrários à demolição alegam que é necessário manter o patrimônio como testemunha da história da cidade. Assim, o debate tornou-se extremamente polarizando, prejudicando assim o que de fato importa: a luta contra a ideia reacionária do retorno da política de saúde manicomial fomentada pelo presidente da República, o neofascista Bolsonaro, Igrejas neopentecostais (que querem o retorno dos manicômios de olho em verbas públicas) e seus seguidores. A preocupação aumenta quando o general Eduardo Pazuello nomeia um defensor do eletrochoque, o psiquiatra Rafael Bernadon Ribeiro, para cuidar da saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde.

Bernadon Ribeiro é sócio da SOS Psiquiatri - Clínica de Eletroconvulsioterapia (ECT) e Neuromodulção. Segundo o portal Revista Fórum "no site da clínica, a ECT é recomendada para doenças psíquicas desde transtornos afetivos graves, com risco de suicídio, à impossibilidade ou intolerância ao uso de medicamentos (Gestação e pacientes idosos), passando por doenças como o Parkinson, que já tem outros tratamentos menos traúmaticos."

Demolir o prédio do Meduna não só seria um ataque contra o patrimônio da cidade, como de nada adiantaria para apagar a história de terror do sanatório. Mas também o seria transformar o prédio em um centro cultural ou centro tecnológico passando por cima do que lá dentro aconteceu sem haver nenhuma referência ao horror que foram a política da saúde que mantinham os manicômios.

Na discussão que, como já dissemos, se tornou polarizado e superficial, é importante fazer algumas ponderações:

  • Seria ilegítimo e autoritário fazer o debate da restauração do prédio mantendo-se no âmbito da superestrutura e usando uma armadura supostamente cientificista e preservacionista, mas que não leva em conta a voz das pessoas que lá foram internadas e suas famílias não seria também apagar a história do local?
  • Nas propostas de restauração do prédio não fica claro qual seria a participação financeira da empresa proprietária do espaço. Sendo assim, é correto usar dinheiro público para restaurar um prédio particular ou mesmo a aquisição pelo poder público mesmo sabendo que em Teresina já há inúmeros espaços de propriedade da Prefeitura, Estado e da União abandonados e que deveriam ser prioritariamente restaurados?

Nesse sentido, a organização Ruptura Socialista defende:

  • A demolição da ideia de Sanatório e do caráter manicomial de qualquer tratamento psiquiátrico, mas a conservação do seu Patrimônio, sem, no entanto, negar sua história de horror.
  • Que as instalações devem abrigar um memorial da luta antimanicomial do Piauí, contando para as próximas gerações o que foram os manicômios na história da humanidade, e em especial na cidade de Teresina para que nunca seja esquecido e nunca mais repetido.
  • Que toda e qualquer iniciativa de restauração e futura utilização das instalações levem em conta a voz daquelas pessoas que por lá passaram como pacientes e suas famílias.
  • Que não seja envolvido nenhum centavo do dinheiro público na restauração do prédio, que pertence a uma empresa privada.


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